SELECT * FROM (`pagina`) WHERE pagina_endereco = 'jornal-de-hontem-julho-2016' AND pagina_status = 'A' AND (`pagina_ativa_ate` >= NOW() OR `pagina_ativa_ate` IS NULL) SAP-MT Superintendência de Arquivo Pública
jornal de hontem julho 2016

Edições anteriores

SOB OS ESCOMBROS DE 1930:

Revolução Constitucionalista de 1932

PORTELA, Lauro

Em 12 de julho de 1932, o Diário da Manhã reverberou uma notícia alarmante advinda de São Paulo: “(…) a Circumscripção Militar deste Estado [de Mato Grosso] se levantou juntamente com a Região de S. Paulo, commandadas estas pelos Generaes Izidoro Dias Lopes e Bertholdo Klinger.” O que era, àquela altura, um boato, revelou-se numa guerra civil que consumiu o país por pouco mais de três meses, opondo o estado de São Paulo apoiado pelas guarnições militares do sul de Mato Grosso (autodeclarado estado de Maracaju, com capital em Campo Grande) ao restante do Brasil (incluindo o norte de Mato Grosso).

A Revolução Constitucionalista de 1932, como ficou oficialmente conhecida, foi o resultado do choque de forças político-oligárquicas gestadas na “Crise dos Anos 20” no contexto da Primeira República brasileira (1889-1930). Nesta crise, a hegemonia política paulista e mineira e a sucessão destes, chamada de “política do café com leite”, na Presidência da República foi questionada, em 1922. Neste ano emblemático, pois é o ano da Semana de Arte Moderna, a vitória paulista-mineira nas eleições fraudadas levantou furor revolucionário nos jovens militares (tenentes, em sua maioria, mas também capitães) do Forte de Copacabana e em algumas guarnições mato-grossenses (estas logo sufocadas), cujo desfecho do aquartelamento fez restar na memória coletiva a imagem dos “18 do Forte” enfrentando nas ruas as tropas federais.

O descontentamento advindo da baixa oficialidade em relação ao domínio oligárquico continuou nos anos seguintes em movimentos que ficaram conhecidos como “tenentismos”. Estes movimentos compreendem, além dos 18 do Forte, os levantes paulistas de julho de 1924 e a Coluna Prestes. Os primeiros liderados pelo general Isidoro Dias Lopes, pelo major Miguel Costa (da Força Pública de São Paulo), pelos tenentes Joaquim Távora, João Cabral (também da Força Pública paulista), Eduardo Gomes, Juarez Távora e Estillac Leal (os três últimos sobreviventes e participantes do tenentismo de 1922). A Coluna Prestes, por sua vez, foi liderada pelo capitão Luís Carlos Prestes, e foi formada pelo encontro das forças rebeladas em São Paulo e as que se rebelaram no Rio Grande do Sul, em 1925, durando até 1927, após percorrer mais de 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil. Seus líderes se exilaram, finalmente, na Bolívia e na Argentina.

Em 1929, as oligarquias paulistas, reunidas em torno do Partido Republicano Paulista, quebraram o revezamento com a oligarquia de Minas Gerais: ao invés de um mineiro, o sucessor de Washington Luís (chamado de “paulista de Macaé”, pois era fluminense de nascimento, mas cresceu em São Paulo) seria o paulista Júlio Prestes, tendo como seu candidato a vice-presidente o baiano Vital Soares. Além de São Paulo, os grupos oligárquicos de 16 estados apoiaram a chapa. Em Minas, contrariados, os chefes políticos decidiram apoiar a chapa da Aliança Liberal, cujo candidato à Presidência da República era o gaúcho Getúlio Vargas, tendo como vice o paraibano João Pessoa.

Em março de 1930, o país foi às urnas num processo eleitoral fraudado por ambas as chapas e seus aliados eleitorais locais, e Júlio Prestes saiu vitorioso. Todavia, não houve reconhecimento de vitória, dando ensejo à conspiração militar contra o ainda presidente Washington Luís. O assassinato de João Pessoa, em julho, fruto de um crime passional e não político, acirrou ainda mais o ânimos políticos. A 3 de outubro, sob a liderança de Vargas e de Góes Monteiro, iniciavam-se levantes no Rio Grande do Sul, Minas Gerais e no atual Nordeste brasileiro. A 24 de outubro, as tropas revoltosas cercaram o Palácio Guanabara (sede do Governo Federal) exigindo a renúncia de Washington Luís, que foi preso, passando o poder a uma Junta Militar. Em 3 de novembro, Vargas foi empossado chefe do Governo Provisório.

Para controlar a situação e consolidar seu governo, Vargas reduziu o poder de fogo das forças públicas estaduais, quase as extinguindo. Também nomeou como interventores federais nos estados os antigos tenentistas. Foi uma maneira de destituir do poder as oligarquias estaduais, neutralizando qualquer reação por parte delas. Neste período, para Mato Grosso, foi nomeado o comandante militar da guarnição de Cuiabá major Sebastião Rabelo Leite, depois substituído pelo tenente-coronel reformado Antonino Mena Gonçalves. Mas em São Paulo residia a maior resistência. Os interventores federais nomeados para o estado desagradavam à oligarquia paulista. Lá, Vargas nomeou o “tenente” João Alberto como interventor, indicando como chefe da Força Pública o também “tenente” Miguel Costa.

Antes hegemônica, a oligarquia paulista se viu refém do governo central instalado pela Revolução de 1930, no Rio de Janeiro. O Governo Provisório era chamado de ditadura e ditador era o seu chefe, Getúlio Vargas. Em apoio à Revolução de 1930, formaram-se legiões revolucionárias em todo país e, no Rio de Janeiro, foi fundado, o “Clube 3 de Outubro”, sob a influência dos líderes do tenentismo.

Apoiada por parcela da população urbana do país, a Revolução de 1930 representou o cumprimento do ideário de moralização da política defendido pelos jovens tenentes nos anos 1920. Neste sentido, esperava-se do Governo Provisório, de imediato, uma reforma eleitoral que concretizasse tal aspiração. Todavia o Código Eleitoral (dec. n. 21.076) só foi decretado em fevereiro de 1932, e, mesmo instituindo a Justiça Eleitoral, o voto secreto, o voto feminino, representação proporcional e classista, em nada mencionava as eleições para a Assembleia Constituinte. Essa demora em nada agradava as oligarquias estaduais, pois a normalidade política poderia significar a reconquista do poder perdido para a Revolução de 1930. Por outro lado, novas eleições significariam, para as populações urbanas da classe média e operária, a chance de conquistar mais espaço na política.

Apenas três meses depois, através do decreto n. 21.402/32 as eleições foram marcadas para o mês de maio de 1933 e uma comissão foi criada para escrever o anteprojeto constitucional. Dessa vez, as lideranças tenentistas se demonstraram descontentes: entendiam que uma constituinte àquela altura representaria um obstáculo para as transformações político-sociais ainda em curso no país. No mínimo, significava entregar os poderes estaduais nas mãos das antigas oligarquias dominantes.

O impasse levou o Governo Provisório a perder apoio, entre fevereiro e julho de 1932, de importantes aliados políticos em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Nestes três estados, formaram-se as chamadas “Frentes Únicas”. Em São Paulo, a Frente Única Paulista (FUP) que articulou o movimento armado contra Getúlio Vargas. Se não bastasse a demora na eleição de uma Constiuinte, um pretexto maior ainda foi explorado: o assassinato. A 23 de maio de 1932, um grupo de opositores ao Governo Provisório tentou invadir o Clube 3 de Outubro e foram recebido a bala por membros da Liga Revolucionária. Cinco jovens estudantes morreram: Mário Martins de Almeida (31 anos), Euclides Bueno Miragaia (21 anos), Dráusio Marcondes de Sousa (14 anos), Antônio Américo Camargo de Andrade (30 anos) e Orlando de Oliveira Alvarenga (31 anos, foi incluído posteriormente, pois morreu apenas três meses depois do fatídico). As iniciais de um dos nomes dos quatro primeiros formaram a sigla MMDC (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) e se tornaram a bandeira de luta contra o Governo Provisório.

O “Diário da Manhã” noticiou a campanha constitucionalista em seu número de 6 de julho de 1932, escrevendo que “As frentes unicas do Rio Grande, São Paulo e Minas, a maioria dos adeptos nos Estados da União, inclusive Matto Grosso, onde o sentimento constitucionalista dia a dia mais se torna victorioso, deixam claramente accentuada a idéa que o Brasil será ingressado, immediatamente, no regime do direito, não continuando mais ao arbítrio de um dictador e na intranquilidade em que vive há quasi dois annos.”

Com mártires e certo do apoio militar de Minas, do Rio Grande do Sul e do comando regional militar em Mato Grosso, sob as ordens do general Bertoldo Klinger, São Paulo se lançou numa guerra contra o Governo Provisório a 9 de julho de 1932. Todavia, o esperado apoio mineiro nunca chegou; no Rio Grande do Sul, um reduzido número de milicianos comandados por Borgers de Medeiros tentaram sem sucesso atrasar as forças legalistas que se dirigiam a São Paulo; de Mato Grosso, apenas Bertoldo Klinger e alguns oficiais chegou ao território paulista, e, mesmo com a insurreição da porção sul do estado seccionado em estado de Maracajú, forças federais advindas do então norte mato-grossense e do Rio Grande do Sul conseguiram abafar os insurretos.

Há quem acusasse um caráter separatista no movimento constitucionalista. Este fato é negado por pesquisas mais apuradas, como a da tese de doutorado de João Paulo Rodrigues intitulada “O levante ‘Constitucionalista’ de 1932 e a força da tradição: do conflito bélico à batalha pela memória (1932-1934)”. Suas análises de fotografias demonstraram que o movimento teve uma participação popular de diferentes estratos sociais (além da elite branca, o operariado, os negros e mulheres se fizeram presentes). O discurso separatista ficou a cargo de um reduzidíssimo número de intelectuais, tal como Monteiro Lobato, que pregava a hegemonia paulista na política nacional ou a se a separação de São Paulo.

Em outubro de 1932, exauridos e contando com uma imensa desigualdade numérica (eram cerca de 40 mil entre voluntários e militares da Força Pública Paulista contra todo o efetivo federal das três armas mais apoio das forças públicas estaduais) São Paulo assinou sua rendição. Seus líderes foram presos e depois exilados. O desequilíbrio de forças esteve presente também no uso de armamentos e em estratégias inventivas para simular poder de fogo por parte dos paulista, por exemplo, no caso da matraca. Fábricas foram redesenhadas para fabricar capacetes de guerra; carros, locomotivas e tratores foram adaptados em veículos blindados. Ouro foi arrecadado junto à população para financiar o esforço de guerra. As sobras do que foi arrecadado em ouro financiaram o “Edifício Ouro para o Bem de São Paulo”. Construído na região da Sé, seu desenho lembra a bandeira paulista tremulando. São Paulo chegou a ser bombardeada por esquadras federais e a ter cerco marítimo imposto pela Marinha do Brasil.

Finalmente, é importante salientar que o movimento constitucionalista, embora tivesse origens nos partidos oligárquicos paulistas (o PRP e o PD), foi abraçado pela população que acorreu ao serviço voluntário em todo o estado. É neste ponto que temos que analisar com cuidado. Como explicitou o sociólogo Antônio Cândido, em depoimento para o documentário “32, a Guerra Civil” de Eduardo Escorel (Brasil, 1992), a revolução significou, do ponto de vista da ideologia liberal das classes dominantes, um progresso, pois impunha ao Governo Provisório a necessidade de uma Constituinte. Todavia, do ponto de vista sociológico, caso o projeto liberal fosse vitorioso, representaria um completo retrocesso social nas discussões já em curso do que viriam a ser as conquistas trabalhistas e sociais.

                              

Para saber mais...

Conectado
Nada por enquanto...