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jornal de hontem maio 2017

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O mínimo para o sustento básico da família do operário

Prof. Me. Lauro Portela

A 1.º de Maio de 1940, o chefe do Estado Novo Getúlio Vargas assinou o decreto n. 2.162, que instituía o salário-mínimo, no Brasil. O ato, como era comum ao modo como Vargas se relacionava com a classe de trabalhadora brasileira – tratado pela historiografia e ciência política ou como “populismo” ou como “trabalhismo”. A festa dos trabalhadores organizado pela interventoria federal de Mato Grosso demonstra isso: as faixas instaladas na Praça da República diziam “Glória ao construtor da Felicidade do Brasil”, “Somos do Estado Novo em marcha”, “Viva o Interventor J. Muller”, “Viva o Presidente Vargas” (O ESTADO DE MATO GROSSO, Cuiabá, n. 195, 3 mai. 1940, p. 1).

Essa forma de utilizar o apoio das massas operárias em troca de capital político foi fundamental para o modo como o Estado Novo conseguiu se sustentar, transformando em concessões bandeiras históricas dos trabalhadores organizados.

Assim como os direitos trabalhistas garantidos por longa legislação consolidada na conhecida Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de 1943, o salário mínimo, no Brasil, foi sendo construído ao longo da década de 1930. Mas não foi invenção do regime de Vargas. Há respaldo no mundo ocidental do trabalho para sua instituição. Justificava-se como um meio de reduzir a máxima exploração da massa operária, especialmente os menos especializados, como escreve Gilberto Malva Filho em sua monografia “Salário mínimo: uma justificativa teoria e social”, defendida na UNICAMP, em 2007.

Fruto de lutas sociais, ainda em fins do século XIX, as primeiras experiências advêm da Nova Zelândia, 1894, e Austrália, 1896. Depois, ao longo da primeira metade do século XX, a Europa insular e, depois, a continental foram instituindo um salário mínimo, conforme enumera o supracitado economista: Inglaterra, 1909, primeiro para os trabalhos pesados, e, em 1926, para outros 40 setores; França, 1915; Noruega e Áustria, 1918; Tchecoslováquia, 1919; Alemanha, 1923; Espanha, 1926; Bélgica, 1934. No continente americano, nos Estados Unidos, as primeiras legislações têm o caráter de tutelar as mãos de obras feminina e infantil, em 1912 e 1913, sendo definitivamente estabelecido apenas em 1938. Neste último caso, o mínimo terá uma função keynesiana para recuperação da Crise de 1929. O Canadá seguirá o exemplo estadunidense, em 1917. O México inovou e instituiu o mínimo em sua Constituição de 1917. Além do México, o restante da América Latina, Brasil incluso, só adotaria uma legislação concernente ao tema após 1930.

Sendo uma bandeira de luta dos movimentos anarquista e socialista, o salário mínimo encontrou respaldo nalgumas correntes liberais contrárias à pura e simples auto-regulamentação do mercado. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada como parte do Tratado de Versalhes, em 1919, no pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918), será a balizadora da nova ordem do trabalho sob um liberalismo menos explorador. E foi a Convenção 26, de 1928, da qual o Brasil continua signatário, que os países membros da OIT estabeleceram um salário mínimo para os trabalhadores da indústria, do comércio e empregados domésticos, principalmente para aquelas atividades sem condições de negociação coletiva direta.

A encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII, de 1891, também menciona a fixação de um valor para o salário, que “não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado”. Certamente que o texto do líder católico tem um peso substancial no modo como a questão será encarada pelas elites. Além disso, deixava claro que o preço a ser pago pela superexploração do operariado era o fim da ordem desejada pelas elites e a instituição da “teoria socialista da propriedade coletiva”. Em Mato Grosso, Dom Aquino Corrêa, Bispo de Prusíade, já alertava quanto ao perigo da “infiltração comunista” (A CRUZ, Cuiabá, n. 1008, 29 nov. 1931, p. 1).

No Brasil, durante séculos, a única forma de trabalho organizado foi a escravidão, que perdurou até 1888. Com a queda do Império, em 1889, o país recebeu os maiores contingentes de imigrantes europeus e, com os novos trabalhadores, as novas ideias que bateriam de frente com o liberalismo cultivado pela elite nacional. Por aqui, o liberalismo é simbolicamente a ideologia balizadora das instituições nacionais desde a Independência. No entanto, como escreveu Roberto Schwarz em “Ao Vencedor as Batatas: Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro”, cuja primeira edição é 1977, “o escravismo desmente as ideias liberais…”. A instituição da escravidão criou uma sociedade baseada no favor, cuja relação senhor-escravo, após o fim da escravidão, foi apenas deslocada para a relação entre patrão-empregado. Em outras palavras, ideologia liberal não serviu pelo seu conteúdo; antes, valeu pelo ornamento e pelo sentimento de pertença por parte da elite à Europa industrial.

Em Mato Grosso, os ideais liberais (ornamentais) de livre negociação e iniciativa individual influenciaram fortemente as instituições. A Constituição de 1891 deixa entrever um dado que passaria batido por toda tradição historiográfica regional, no §2.º do seu artigo 55: “O Estado não reconhece direito à aposentadoria. Para todos os funcionários do Estado haverá montepio obrigatório.” Nestas linhas constitucionais há uma distância imensa entre o reconhecimento de um direito, o de se aposentar após um longo período de trabalhos prestados, e a caridade de se resguardar, no caso do servidor público estadual, a viúva.

Após 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o salário mínimo passou a ter os olhos ministeriais de Lindolfo Collor. O primeiro rascunho de legislação ficou pronto em 1931. A Constituição de 1934, na alínea b do seu art. 121 tratará de um “salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador”. Esta fórmula será repetida na alínea h do art. 137 da Carta de 1937, a famigerada Polaca, bem como no inciso I do art. 157 da Constituição de 1946; e, até prova em contrário, com uma redação mais expandida, na atual Constituição de 1988, no inciso IV do seu art. 6.º.

Todavia, entre 1931 e 1940, há um caminho a ser percorrido. Em 1936, constituiu Comissões de Salário Mínimo. Estas comissões eram compostas por representantes de patrões e empregados, ficando cada comissão responsável por uma das 22 regiões (20 estados, Distrito Federal e Território do Acre). Mato Grosso pertencia à 20.ª Região e compunham a sua comissão: Ulysses Cuiabano, presidente, Mário Esteves e Altair de Mattos, estes representantes dos patrões; mais Octavio Leite Pereira e Antonio R. Bastos, representantes dos empregados. Embora o número de empregados fosse naturalmente maior que o número de empregadores, a representação não refletiu essa realidade.

O resultado dos trabalhos das comissões foi uma tabela com a discriminação das 22 regiões e suas sub-regiões. Mato Grosso passou a ter três salários mínimos mensais: Cuiabá – 150 mil-réis; Aquidauana, Bela Vista, Campo Grande, Entre Rios, Maracaju, Corumbá, Poxoréu, Guajará-Mirim, Alto Madeira, Lageado, Ponta Porã, Dourados, Porto Murtinho e Três Lagoas – 180 mil-réis; Nioaque, Cáceres, Mato Grosso (Vila Bela), Livramento, Herculânea, Alto Araguaia, Araguaiana, Miranda, Paranaíba, Poconé, Rosário Oeste, Diamantino e Santo Antônio – 100 mil-réis.

Embora toda legislação dê a impressão de que a fixação de um salário mínimo tenha sido ofertada pelo Estado brasileiro, não é exagero afirmar que sua instituição foi forçada pela luta dos trabalhadores organizados. Da primeira Greve Geral, em 1917, organizada pelos anarquistas, às lutas no campo político levadas a cabo pelos socialistas, nos anos 1920 e 1930 alertaram as elites político-econômicas acerca da necessidade de se cooptar as classes trabalhadoras através de uma legislação que conciliasse os interesses de capital e trabalho. No mundo ocidental, estas “concessões” foram os mesmos que salvar os dedos perdendo alguns anéis. Não à toa, Vargas deixou claro em seu discurso os objetivos desta conciliação tendo em vista o temor pela organização dos trabalhadores: “As utopias ideológicas, na prática das verdadeiras calamidades sociais, não conseguirão afastar-nos das normas de equilíbrio e senso em que processa-se [sic] a evolução da nacionalidade.” 

    

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